A presente análise aborda o ritual do infanticídio da criança-irã como quadro explicativo da instabilidade política recorrente na Guiné-Bissau, tendo por base os conceitos de humanidade e comunidade política. O infanticídio é uma prática ritual ligada à crença da existência de crianças-espírito: acredita-se que alguns bebés são espíritos (irã) envoltos em carne humana. Assim, estes seres não são nem humanos nem espíritos. Esta conceptualização culturalmente enraizada da humanidade desafia as noções liberais e comunitárias sobre a natureza humana, a personalidade e o individualismo, juntamente com as suas articulações sobre a estrutura da comunidade política. Na análise, é considerada a forma como este entendimento colide com os fundamentos do Estado – formalmente, uma república semi-presidencial modelada segundo o sistema demoliberal. Sublinho como o Estado carece de uma reacção organizada, coerente e continuada à prática e à crença. A inércia do Estado escapa aos predicados liberais e às disposições legais, que criminalizam qualquer infanticídio como interrupção ilegal de uma vida humana. No entanto, políticos, governantes e académicos estão conscientes do fenómeno e até partilham a crença na existência destes seres humanos “híbridos”. Assim, a análise questiona qual a relevância e a resiliência da conceptualização endógena de humanidade e da comunidade política subjacente à resposta do Estado, e as suas articulações no reforço de uma esfera política estável.
POLITICS AND RITUAL INFANTICIDE: A READING OF POLITICAL INSTABILITY IN GUINEA-BISSAU FROM POLITICAL THEORY
https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.1.12
CLAUDIA FAVARATO
Resumo
Palavras-chave
criança-irân, humanidade, comunidade política, Guiné-Bissau, instabilidade política
Artigo publicado em 2023-05-30